terça-feira, 23 de março de 2010

E na semana Santa...


É hoje. Deposito todas as minhas esperanças num único dia. Faz mais de sete anos que não nos vemos. Eu e Luis, meu primo Luis.
Foi naquela Semana Santa que eu, meus pais e meus dois irmãos fomos passar na casa dele, na verdade um lindo sítio. Eu tinha apenas oito anos e ele por volta dos nove. Antes disso sempre nos encontrávamos. Praticamente todos os finais de semana brincávamos juntos, coisa de criança, sabe. Mas naquela Semana Santa foi diferente.
Chegamos como sempre e foi aquela festa. Todas as crianças correndo para lá e para cá. Quinta feira, tudo normal. Correria e bagunça, afinal éramos sete crianças, eu, meus irmãos, ele e seu irmão e mais duas primas, todos na mesma faixa de idade, livres num sítio, livres como passarinhos.
No dia seguinte, o silêncio incômodo de toda Sexta Feira da Paixão. Crianças odeiam a sexta feira da Paixão. Não pode falar alto, não pode correr, não pode pular, não pode, não pode, não pode. Tem que pedir a benção dos pais, dos tios e dos avos de joelhos e passar o dia todo cabisbaixo. Eu realmente odiava a Sexta Feira da Paixão.
Naquele clima de luto, precisávamos encontrar alguma coisa que pudéssemos brincar sem que os adultos viessem reclamar. Resolvemos brincar de caça ao tesouro. Precisávamos procurar no sítio algo bem valioso, tudo em silêncio. Quem trouxesse o item mais raro, venceria a prova, nossa avó julgaria. Luis decidiu que seria de dupla e eu fui seu par. Começamos a andar pelo sítio em silêncio procurando algo bem valioso para levar. Depois de muito procurar, cansei e sentei na beira do rio para molhar meus pés e descansar. Ele sentou ao meu lado e ficamos ali, em silêncio, com os pés na água e olhando as árvores. “Posso te contar um segredo?” ele perguntou, “Fala”, “Sonhei com você”, “Como era o sonho?”, “Sonhei que a gente era grande e você tinha um bebê” “E como você sabe que era eu?”, “Não sei, mas eu sabia. Você era bonita”. Apenas sorri e me deitei na terra. Ele fez o mesmo por um instante. Depois se virou, ficando de bruços, seu ombro encostava-se ao meu. Ficamos em silêncio por um tempão, até que ele falou, chegando bem pertinho do meu rosto, “Era a mulher mais bonita que eu já vi”. Meu coração acelerou, não sei se pelo que ele disse ou por ele está assim, tão pertinho de mim. Fiquei olhando para ele, ele chegou mais perto. Bem de leve, ele tocou seus lábios nos meus. Só o que eu consegui fazer foi fechar meus olhos e curtir a sensação gostosa que eu estava sentindo.
Quando separamos nossos lábios, sentamos. Eu olhei para a água e vi uma pedra brilhante, muito bonita. Pegamos a pedra e voltamos sem dizer uma só palavra um ao outro.
Hoje sei que a pedra que achamos era um cristal, um quartzo rosa, para ser mais exata. Claro que com um item daquele, comparado com um sapinho, um limão e um pedaço de carvão, ganhamos a brincadeira.
No Sábado de Aleluia, sempre encontrávamos uma maneira de ficarmos sozinhos para nos beijarmos. Meu coração parecia que ia saltar pela boca. No domingo de Páscoa, depois de procurarmos e acharmos nossos ovos, ele me chamou para o canto e me deu uma banda inteira do ovo que ele havia ganhado. Eu fiquei tão feliz que peguei uma banda do meu ovo e o presenteei também. Comemos nossos ovos, sentados a beira do rio que demos nosso primeiro beijo. No mesmo dia, à tarde, tivemos que nos despedir, foi triste, eu não queria ir, mas não teve jeito.
Naquele ano, os pais deles se separaram e ele foi morar na Itália, com sua mãe. Por conta disso, não nos encontramos no Natal, nem na Páscoa seguinte nem na seguinte. As Semanas Santas no sítio não eram mais tão divertidas.
Eu cresci, namorei, aprendi muita coisa e até pensei que eu havia deixado aquilo que aconteceu naquela Semana Santa para trás, apenas uma boa lembrança. Mas há um mês, aproximadamente, minha mãe me contou que Luis estava morando com o pai, na mesma fazenda, há seis meses. Parece que havia se desentendido com a mãe e resolveu voltar ao Brasil. Fiquei tão feliz, até eufórica. Com a Páscoa se aproximando poderia vê-lo novamente. Fui ao supermercado e comprei um super ovo de Páscoa para ele.
Lá vamos nós. No carro fico imaginando como ele estaria hoje em dia. Será que tem espinhas? Será que usa cabelo comprido? Será que usa óculos? Será que tem tatuagens ou brincos? Será que ele está alto, magro, gordo? Tem borboletas no meu estômago e eu não imaginava que eu fosse me sentir assim ao vê-lo novamente.
Chegamos ao sítio. Meus pais estacionam e começamos a descarregar a bagagem. Logo vejo vindo e nossa direção, para nos receber, meu tio, sua mulher e o Igor, irmão do Luis, que não foi para a Itália com a mãe. Abraço a todos como de costume. Puxo Igor de lado e pergunto “Cadê o Luis? Minha mãe falou que ele voltou”, “Está lá dentro. É que ele acordou agora e deve está terminando de se arrumar”.
Preciso conter a minha ansiedade, estou parecendo uma criança de 11 anos. Tentando parecer o mais natural possível, entro carregando minha bagagem para colocá-la no quarto. Dou uma volta pela casa até topar “acidentalmente” com Luis. Nossa! Ele está lindo! A pele não tem espinhas, uma altura mediana, ideal para mim, com os cabelos castanhos cacheados, lindos, usa um pequeno brinco e cada orelha e nada de tatuagens (pelo menos nenhuma que dê para notar assim de primeira). O meu sorriso ao encontrá-lo é largo e espontâneo. A reação dele ao ver-me é, no mínimo, surpreendente. Depois de um grito histérico, ele corre, me abraça, me suspende no ar e começa a me girar. “Priminha, que saudades eu estava de você!” ele finalmente diz em meio a pulinhos, “Eu também estava com muitas saudades”, “Nossa, mas você está um mulherão, hein! Linda e poderosa” apenas sorri, tentando não acreditar no que parecia óbvio “Vem cá, preciso te apresentar uma pessoa” disse ele puxando-me pelo braço, me leva até seu quarto onde um rapaz magro, de olhos claros e cabelos pretos, está sentado ao computador com um headphone nos ouvidos. “Filipe, esta é a minha prima, aquela que te falei”. Filipe se levantou, me deu dois beijinhos e falou que finalmente conheceu a pessoa que Luis mais falava. Com sorrisos sem graça, finalmente me lembro do ovo que havia comprado. Abro a mochila, o pego e entrego para Luis, “Como fazia muito tempo que não te via, resolvi comprar esse presentinho para você. Espero que pelo menos esse gosto você não tenha mudado”, Luis dá uma grande gargalhada, abraça Filipe e dá-lo um selinho. Meio sem perceber, um grande sorriso se abre em meu rosto ao ver a felicidade e a vitalidade deste meu primo que não via há tanto tempo. Sinto que essa Semana Santa vai ser ótima, tão inesquecível como a última em que Luis e eu passamos juntos.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Bruta flor (do querer)


Não costumo postar coisas de outras pessoas. só quando gosto muito. Por isso, lá vai..



"Onde queres revólver sou coqueiro
E onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo
E onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto eu sou o chão
E onde pisas o chão minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou o irmão
E onde queres cowboy eu sou chinês
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato eu sou espírito
E onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo
E onde buscas o anjo sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido sou herói
Eu queria querer-te e amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock'n'roll
Onde quers a lua eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo-te aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim"

(autor desconhecido)