segunda-feira, 17 de maio de 2010

Pífio



É engraçado e belo a forma com que tratamos certas fantasias. Sabemos que são apenas fantasias, sabemos que aquilo só existe na nossa cabeça, mas elas, por vezes, refletem na nossa vida real, e não temos controle.
Outro dia eu estava deitada no sofá de casa. Depois de zapear por todos os canais disponíveis na TV e não achar absolutamente nada que despertasse meu interesse, desliguei a televisão e fiquei apenas olhando para o teto.
Mais do que de repente, não estou mais na minha sala, mas em uma casa que parece ser só minha. Túlio chegou e sentou-se ao meu lado. Deitei minha cabeça no seu colo e perguntei “tem algum problema eu receber uma pessoa pra ficar hospedada aqui?” “claro que não, a casa também é sua. Quem é?” “meu ex namorando, Rodrigo”. Ele olhou pra mim, bem no fundo dos meus olhos, ele sabia tudo que havia permeado a nossa separação, sabia de tudo que eu havia passado e o quanto a mudança para Curitiba havia sido fundamental para que eu voltasse a ficar bem comigo mesmo “você tem certeza que quer recebê-lo aqui na sua casa?” “acho que tudo que aconteceu já faz tempo, ele agora precisa de um lugar pra ficar por uns dias, não queria deixá-lo num hotel” “ok, você é quem sabe”. Túlio, como sempre, me tratava como adulta, por mais que eu merecesse umas palmadas de vez em quando, ele não o fazia, a não ser que eu pedisse (risos). Passando as mãos nos meus cabelos, fomos entrando num clima cada vez mais envolvente. Acabamos nus, na cama, como já era de praxe.
No outro dia, lá estava Rodrigo, em casa. Eu, arrumando a sala onde ele ficaria hospedado, já que o apartamento só tinha dois quartos, o meu e o de Túlio. “Obrigado por tudo que você está fazendo por mim. Não queria mesmo ter que ficar num hotel” dizia Rodrigo com um vasto sorriso no rosto “apenas estou ajudando um amigo” eu tentei rebater, mas o clima mudou repentinamente, “Você sabe que se eu quisesse, eu poderia ter pagado um hotel, e que se eu estou aqui não é por falta de opção, não é?” “não. Você me pediu ajuda e eu estendi minha mão” “vai dizer que você não tinha nenhuma segunda intenção?” “de verdade, não. Apenas queria te ajudar mesmo. Não tenho por que querer reviver o que foi enterrado a muito custo” “mas eu quero”. O ataque foi certeiro, diretamente na nuca, não tem como resistir. Me deixei levar pela emoção e as palavras dele me deixavam arrepiada “nossa que saudade desse teu cheiro, dessa tua pele macia”, eu não conseguia dizer nada, estava desarmada. Descobri em mim uma saudade daquelas mãos que eu nem sabia que existia. Não consegui me conter e acabamos ali, no tapete da sala, nos possuindo, como há muito tempo não fazíamos.
Túlio chegou em casa e nos viu ali, deitados, nus, o cheiro de sexo era forte no ar. Ele me olhou decepcionado, foi para o quarto, fez uma mochila e saiu novamente, mas não sem dizer “quando ele for embora de novo, como ele sempre faz, eu volto”. Um nó forte na minha garganta me impediu de ir atrás dele, ou de gritar, ou de chorar, qualquer coisa. Apenas fiquei ali. Rodrigo sentou-se, me abraçou por trás e disse “não liga pra ele, você sabe que ele sempre volta, você sabe que eu sempre volto. Alias, não há quem consiga ficar longe de você por muito tempo”. Segurei forte a sua mão foi quando senti algo que não havia percebido antes. Em seu dedo anelar esquerdo, algo frio, roliço. Tinha medo de olhar, mas olhei. Uma aliança selava o compromisso de Rodrigo com alguém que eu não conhecia. Segurei a aliança entre o polegar e o indicador, fazendo-o perceber que notei; “casado?!” “sim, tem um ano e meio, temos uma filha linda, a Clarinha, quer ver?” e na maior tranquilidade, se levantou, foi até sua mala e trouxe seu notebook e passou a me mostrar as fotos da sua família. Vi tantos rostos sorridentes que dentro de mim foi se formando uma mágoa enorme, e tudo de ruim, que eu um dia havia enterrado, veio à tona num misto de ódio e loucura.
Uma campainha soou, eu levantei e fui atender. Era Rodrigo, meu namorado, que veio me buscar pra sairmos. Gritei com ele, chamei-o de traíra e bati a porta na cara dele. Tudo isso não pelo que ele me fez, mas por aquilo que um dia ele poderia vir a me fazer.