As crianças rapidamente chegaram aos meus pés e eu dei de beber a elas o líquido que vertia de meus dedos.
Elas bebiam como se fosse mel.
E aos poucos foram ficando sonolenta, lentas, sonos, dormiram ali mesmo, no chão da cozinha.
Curiosa, provei do líquido e minha língua adormeceu.
Foi então que entendi.
Tantos anos vendo tudo que acontecia ao meu redor. Vendo pessoas morrendo, vendo estupros absolvidos, vendo a justiça comprada.
Tantos anos vendo meu sonho se afastar de mim, vendo tudo ser tirado de quem realmente necessitava, e sendo dado a quem já tinha tudo, numa espécie de Robin Hood ao contrário. E vi tudo isso sem mover um dedo sequer.
Assisti impassível, durante anos, toda a injustiça que me cercava, reclamando com meus semelhantes, mas sem nunca fazer nada para mudar a cena. E todos ao meu redor fazendo o mesmo que eu.
Finalmente entendi, quando preferi rir ao chorar, ler a piada ao ler o artigo sobre drogas e a infância.
Entendi.
Das minhas veias... Não... Das veias de toda a minha geração não vertia sangue.
Nas nossas veias não tinha sangue... existia Xilocaína.
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