quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Máscaras


Sentia-me rica. Talvez eu realmente fosse rica.

Tinha uma grande casa, uma grande piscina, um jardim gigantesco. Tinha roupas maravilhosas, tinha empregados. Tinha tudo o que eu gostaria de ter.

Tudo na minha casa acontecia através de simples toques em botões.

Tocava em um botão e a porta se abria.

Tocava em um botão e falava com quem quisesse.

Tocava em um botão e minha comida estava posta.

Tocava em alguns botões e eu estava banhada, vestida, penteada e maquiada para arrasar alguns corações frágeis que se deixam levar por minha aparência.

Deixava-me levar, agia como era de acordo para alguém na minha posição (segundo não-sei-quem).

Mês eu tinha um esconderijo. Tinha um lugar para onde eu ia e me escondia do mundo. Era meu cofre. Este cofre tinha tudo o que realmente me importava, coisas da minha infância. Fotos, bonecas velhas, canetas cheirosas, cds de artista que não ousava mais escutar, mas que fizeram parte de mim, cartinhas de amigos, uma chave (que não se o que abria), e muitas e muitas coisas. Somente eu poderia entrar nesse cofre, ele era o meu lugar. Para adentrar-lhe usava minha impressão digital.

Continuava minha vida de mulher rica, poderosa que agia de acordo com os maiores rigores da sociedade. Eu era respeitada pela imagem casta e séria que havia construído.

Uma imagem que eu mantinha acima de tudo. Mas meu verdadeiro eu estava ali guardado, dentro do meu cofre. E sempre que quisesse, eu ia lá, tirava minha máscara e respirava.

Assim eu continuava, eu sobrevivia, as vezes tão ocupada que demorava a voltar a me encontrar comigo mesma.

Mil botões apertados, mil problemas apresentados, mil problemas resolvidos. Vil faces usadas.

Muito tempo se passou, mas eu estava tão ocupada que nem saberia ao certo dizer quanto tempo foi.

Um dia, acordei sufocada, não podia respirar, não sentia a mim mesma. Foi assim que eu lembrei que havia uma coisa que eu sempre fazia para poder respirar melhor. Pensei, pensei, e vinha na minha mente, lá longe, um lugar na minha casa, um lugar que eu me escondia para ser eu mesma.

LEMBREI!

Era uma sala, um cofre. Lembrei sua localização. Fui até lá. Pus meu dedo indicador sobre a tela identificadora, para que a porta se abrisse. Mas nada aconteceu. Coloquei novamente, mas ainda nada acontecia. Tentei mais uma vez e ainda assim nada aconteceu.

Foi então que olhei para meu dedo, e o que vi me assustou. Fiquei perplexa, o ar que já era raro se tornou mais difícil de se puxar. Meu dedo não tinha digital. Não havia impressão nenhuma sobre ele. Os botões da minha vida fizeram eu perder o contato com o que eu realmente era.

Não restava nada a fazer a não ser me tornar definitivamente o que eu estava fingindo ser.

“Quando se usa a máscara por muito tempo, pode acontecer de que até você esqueça quem é de verdade” (V de Vingança)

2 comentários:

Filipe Almeida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Filipe Almeida disse...

que perfeito...
escreves docemente
me fez lembrar... das coisa que tenho em meu cofre