quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Pelas ruas


Andava com pressa.

Eram seis da tarde, mais ou menos, mas parecia bem mais tarde.

Estava atrasada...

Andava quase correndo. Olhava sempre pro relógio, e sabia que eu estava atrasada.

As ruas movimentadas e eu mal via quem passava ao lado.

Parei. Tinha que atravessar a rua. O sinal estava aberto para os carros. Esperava ansiosa pela abertura do sinal. Olhava novamente o relógio de pulso. Minhas pernas tremiam. Queria andar logo, eu estava atrasada.

Algo segurou minha perna. Gelei de medo. Receosa, olhei para o chão.

Lá, algo enrolado em trapos podres. Uma mão com pele seca, escura, segurava minha perna. Pelos que um dia poderiam ter sido chamados de cabelos.

Aos poucos, a cabeça daquele ser se levantava, e ia revelando para mim um rosto esquelético, com os olhos grandes e saltados. Na face, nenhuma carne, apenas pele e osso. Não haviam dentes naquela boca escura, com lábios secos e finos. A língua se mexia tentando balbuciar alguma coisa que eu não mal escutava.

Sentia nojo, e queria me livrar daquele ser que segurava minha perna. Meu rosto refletia o terror que vi no filme da tela quente da última segunda-feira. Mas aquele rosto refletia o terror de filmes reais que se passavam todos os dias.

Ele tentou falar algo, mas eu estava com nojo. Ainda ouvi ele dizendo:

- To morrendo, me dá comida.

O sinal se fechou para os carros. Abriu-se pra minha fuga. Caminhei depressa atravessando a rua não querendo olhar para trás, mas não consegui, eu olhei.

Na beira da calçada permaneceu aquele monte de trapos podres que acabara de falar comigo. Na verdade, ele gritava sua fome com todo as suas forças, que não passava de um sussurro.

Eu dizia para mim mesma:

- Eu não podia fazer nada. Ele ia morrer de qualquer forma mesmo. Além do mais, estou atrasada.

Assim consegui afastá-lo do meu pensamento.

Continuei andando, com pressa olhando para o relógio de pulso. Eu estava atrasada.

Cheguei a um prédio grande, com as paredes de vidro argentino. Meu destino. Na frente, uma faixa muito grande em que eu li:

GRANDE FORUM MUNDIAL CONTRA A FOME.

Chorei.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns Lívia! Essas palavras expressaram uma realidade vivida diariamente por milhares de indivíduos do mundo todo, pessoas individualistas que tratam esses “sujeitos de direito”, que estão à margem da sociedade, como se fossem coisas que pode ser deixadas de lado, como se fossem um lixo social.