sábado, 31 de janeiro de 2009

As chaves


Perdi as chaves de casa, não sei se as deixei dentro do vaso, ou em qualquer lugar indefinido. Mas não as encontro em lugar algum.
Desde então, quando chego em casa, tenho que ficar gritando, lá de baixo, pra janela que tem luz, pra ver se me ouvem e vêm abrir a porta pra mim.
Eles demoram, mas sempre vêm.
Mas hoje quis fazer diferente, fui do trabalho pra um bar, beber algo, estava precisando espairecer. Bebi duas cervejas, sozinha. Não faltou quem me oferecesse companhia, mas não precisava disso naquele dia, minha companhia perfeita estava ali, era a minha mente.
Conversamos sobre o futuro do planeta, sobre o inconsciente coletivo, definimos pessoas que não conhecíamos apenas pelo seu jeito de se vestir, indagamos sobre quem seria o próximo eliminado do Big Brother, falamos sobre paixões e sexo, rimos bastante cada vez que um estranho voltava pra sua mesa, sem sucesso na conquista, e nos perguntamos o que estaríamos fazendo em um bar em pela terça feira, a uma da madrugada, e fizemos o mesmo questionamento sobre todas as outras pessoas do local. Parecia que metade da cidade havia escolhido aquele dia para ser seu dia de revoltar-se.
Sou muito fraca e duas cervejas já me deixaram tonta, não tinha condições de voltar pra casa dirigindo, mas isso não seria problema, afinal, não tenho carro. Mas era tarde pra voltar de ônibus. Peguei um táxi. O homem que dirigia tentava puxar assunto sobre o transito, sobre o tempo e sobre política, eu respondia suas questões, mostrando-se sempre bem interada e interessada. Ao chegarmos paguei a conta, sem questionar, apesar de ter achado um absurdo, e que ele poderia ter pegado um caminho menor. Entrei, subi as escadas, revirando minha bolsa a procura da chave. Não havia nenhuma janela com a luz acesa. Não achei a chave, fui caindo e caindo, deitei-me no chão e ali dormi, pensando que deverias haver coisas piores do que dormi ao relento, de bêbada. Pois tinha certeza que no outro dia, eu teria minha casa, meu chuveiro, meu café da manhã, meu trabalho, minha rotina.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Devaneios da madrugada




Belém, 27 de junho de 2008
3:37h

Novamente me encontro aqui, o suor escorre e desce colinas e montes, buscando o vão de minhas pernas cerradas acrescidas de falso pudor. Mais uma vez grito e tento sufocar o som ensurdecedor que sai do teu silêncio. Mas a apatia tem tomado conta de mim e emoções fortes não me fazem mais chorar. Apenas servem para ver pena nos gestos que me rondam, fazendo até parar meu coração de tanta dó. Mordo os lábios fremidamente e o peito palpitando vendo a carne se mover até rasgar, sangrar e desse sangue o olor da vida se esvaecendo de mim.
Um punhal sobre a mesa convida de forma gentil a encontrar-se com minhas entranhas. Ele sorri delicadamente, hipnoticamente. Minhas mãos trêmulas deixam o susto. O outro toma conta e em um segundo, não vejo mais nada, apenas aqueles que ainda vivem em escuridão dentro de mim e gritam pedindo para fugir. “Não há vagas” ouço alguém gritando e quando tudo passar todos esses vão se libertar, nadando sobre meu sangue que escorre pelo assoalho, penetrando pelas frestas da madeira formando um desenho vistoso. As flores agora emitem veneno junto com seu perfume, que vicia e inebria. Apenas quero chegar até lá viva. Já não me importa mais se estarei inteira, ou se serei eu ainda, mas vou chegar lá viva e lá verei quem também venceu. Apenas lá os vencedores triunfam. Lá a missão terá terminado.

Reflexões de uma tarde ociosa de chuva...




Belém, 19 de abril de 2008
10:40h

Parei e olhei ao meu redor e vi o quão inútil pode ser a existência. Quem lembrará de mim quando me for, além dos filhos?
O que torna o homem imortal? E mais importante que isso: Por que esse anseio em se tornar imortal?
Não há medo da morte, pelo menos não para os crentes em uma vida póstuma. Vamos pular essa parte.
O que há, então, é um medo de ser esquecido. Por isso se é bom, engraçado, áspero, por isso se tem manias. Para que os que ficam, possam ver no rosto de outros que também ficaram a sua presença. Por isso temos filhos, eles são nossa continuação, uma forma que encontramos de driblar o tempo e ficarmos vivos mais do que ele determinou. Eles são a certeza de que seremos lembrados.
Ok, já é claro que o medo da morte é o medo de cairmos no esquecimento, mas por que temos medo de sermos esquecidos?
Vejo que é porque precisamos justificar nossas escolhas, que nem sempre são as que mais nos agradam. O que vou fazer agora, trabalhar ou jogar vídeo game? Decisão difícil, mas certamente vais escolher o trabalho. Para que? Para que, quando você morrer, as pessoas vão lembrar de você como alguém trabalhador.
Ok novamente, já sabemos que temos medo de morrer porque temos medo de ser esquecidos, e temos medos de sermos esquecidos porque senão todos os sacrifícios que fizemos em vida seriam inválidos.
Então... Por que se fazem sacrifícios?
Ainda não sei.
Devo pensar mais sobre o assunto.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Lições para a vida


Morar nos Estados Unidos não é fácil. Mesmo assim, ele conseguiu seu lugar ao sol. Era redator de um pequeno jornal na cidade em que morava. Todos os dias, ele saia de casa, passava em uma banca de jornal, e comprava o jornal do dia. Todos os dias, o dono da banca o tratava mal, era grosseiro, chamava-o de maldito latino, e dizia latinos, como ele, eram responsáveis pela crise econômica no país, e eles deveriam ser proibidos de entrar no país de vez.
Ele já havia me relatado esse tipo de tratamento várias vezes e certa vez, eu o acompanhei, na sua compra diária de jornal.
Ele chegou e tratou o senhor muito educadamente, chamava-o sempre de senhor, pedia, ”por favor”, e dizia “muito obrigado”. E o jornaleiro lá, falando suas cobras e lagartos.
Ao sairmos, eu, na minha ingênua curiosidade, perguntei:
- Nossa! Esse velho é tão grosseiro com você, e você sempre o trata tão educadamente, tão delicadamente, por quê?
E mais uma vez ele me surpreendeu ao responder:
- Ele é idoso, sempre tratei idosos daquela forma, e eu nunca vou permitir que ninguém determine a forma como devo agir.