sábado, 5 de janeiro de 2008

Olhe para as mãos



Estava sentada em um banco de praça. Estava escuro. As luzes dos postes iluminavam apenas alguns pontos pequenos.
Estava silêncio. Estava barulho. Não sei bem.
Sei que eu não ouvia nada, ou talvez não quisesse ouvir.
Eu estava sozinha, como sempre estive, ali ninguém passava por perto de mim.
Há um certo momento, comecei a ouvir vozes, conversas e risadas, não consegui identificar qual a língua que falavam, eles falavam muito rápido e estavam muito distantes. Olhei ao meu redor, mas o breu continuava. O vento era frio, mas não chegava a incomodar. Fazia arrepiar os pelinhos do meu braço, mas isso era uma boa sensação.
Um homem chegou, apenas um homem, um homem que de início, não conhecia. Ele sentou no banco em frente ao meu, e um poste de luz iluminava-o. O poste dele tinha um defeito. Ele piscava, e ameaçava queimar.
O homem; que antes eu não reconhecia, mas agora via algo nele que me trouxesse alguma lembrança; cruzou as pernas em cima do banco, como na posição de meditação. Olhou bem para mim. Ele estava sério. Me olhava nos olhos, bem fundo. Eu me sentia atingida por aquele olhar, como se me cortasse a alma. O olhar dele me incomodava. Pensei em desviar o olhar, queria olhar pra outro lugar, qualquer outro lugar. Mas seus olhos cortantes me prendiam, eu não conseguia ver mais nada, apenas seu olhos e seus lábios, que se mexiam, dizendo algo que tentei entender. Mas não sou boa em leitura lábial, então apenas olhava para a sua boca se mexendo, falando coisas que eu não entendia. E meu olhar estava preso. Olhos e lábios. Era em que aquele homem se resumia. Seus olhos seus lábios, e minha mente buscando-o nos mundo que eu já havia vivido.
Sim, ele estava lá, bem no fundo de minha memória, eis que eu o encontro. Era ele, aquele que ficava acordado durante a noite para me ver dormir. Isso foi há muito tempo. Ele passava noites em claro, em ficava me olhando enquanto eu dormia e sonhava com ele. E ao acordar, quão bela era a surpresa, pois ele que habitava meu sonho, estava ali na minha frente, me olhando. O seu olhar me acalmava, me enchia de luz e paz.
Sim, eu o encontrei na minha memória, mas não parecia a mesma pessoas. Antes seu olhar me dava paz e agora me dava medo. Eu só o olhava, já que não podia fazer outra coisas.
Mas seu olhar estava estava me queimando e as palavras que ele dizia e que eu não escutava eram tão altas que me deixavam surda.
Depois de muito tentar, consigo fechar meus olhos, e tapar meus ouvido, e só consigo fazer isso junto com um grito desesperado de dor e angustia. Era muito forte.
Me libertei.
Sentia-me liberta.
Mas eu era tola.
Depois de liberta da prisão que era o seu olhar, não resisti a tentação de olha-lo mais uma vez.
Ele já não me olhava. Abria uma bolsa que estava ao seu lado. Tirou dela um enorme pedaço de plástico bolha. Ele estourava as bolhinhas, e a cada uma estourada, sua expressão era de quem tinha um orgasmo. Estourava uma por uma, devagar. Olhei para minhas mãos, e meus dedos estavam cheios de nós nas juntas. Tentei estrala-los, mas eles não faziam som algum. Uma lágrima caiu dos meus olhos. E ele continuava a estourar as bolinhas.
Ele se empolgava mais e mais com cada bolinha estourada, se enrolava no plástico procurando bolhas que não estivessem ainda estouradas. E o plástico foi tomando conta de seu corpo. Eu via tudo aquilo com lágrimas nos olhos.
Ele se enrolava, e estourava ainda mais bolhas. Ele já estava completamente preso ao plástico, com bolinhas já estouradas. Ele não via isso. Eu chorava. Ele continuava a estourar as bolhinhas, e o plástico já estava tomando conta do seu rosto. Ele não percebia, eu chorava.
O plástico tomou conta do seu corpo e de seu rosto, ele já não respirava, mas não parava de estourar as tais bolhas. O plástico o sufocava. eu sentia vontade de me levantar e salva-lo, mas quando ia fazer isso, ele me olhava e me prendia novamente onde eu estava sentada. Voltava a estourar. Ele não mais respirava, mas não parava de estourar.
O ar lhe acabou, mas ele estava tão concentrado em estourar as bolhas que nem ele mesmo percebeu quando morreu. Ele caiu ali, morto, enrolado no plástico das bolhinhas.
Eu queria ter podido ajuda-lo, mas ele não deixou. Talvez ele não quisesse ser ajudado.
Amanheceu, ou pelos menos, clareou.
Agora eu já via de onde vinham as vozes que antes eu escutava.
Olhei para minhas mão e tentei estralar meus dedos. Eles estralaram. Surgiu em meu rosto um sorriso de canto de boca e uma última lágrima.
Me levantei, e andei em direção às vozes que eu ouvia e que pareciam tão felizes.

4 comentários:

Unknown disse...

O que acho melhor nos teus textos são as possibilidades de interpretação , de repente nos tornamos um dos personagens e isso ocorre com muita facilidade nos teus textos...continua escrevendo que eu continuo lendo...

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Que viagem!!!

Allan Maués disse...

nunca matará!
então bora trabalhar!