terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A verdade realmente vos libertará?


E numa mesa, no refeitório da fábrica.

- Paulo, está acontecendo alguma coisa? Eu e os rapazes te notamos muito calado o dia todo.

- É, Paulo. Ficamos preocupados.

- Conta pra gente, parceiro.

- Ai, pessoal. Ontem me aconteceu algo terrível. Nossa! Não gosto nem de lembrar.

- Mas o que foi que aconteceu assim, de tão terrível?

- Ontem eu descobri quem é de verdade a minha mulher.

- Como assim, cara?

- Lembram que ontem eu passei mal e saí mais cedo daqui?

- Sim, sim. Mas o que foi?

- Deixa eu adivinhar. Quando você chegou em casa, sua mulher estava com outro. Estou certo?

- Antes fosse, Joaquim. Antes fosse isso. Não me sentiria tão enganado, tão iludido, tão cego. O que eu descobri ontem não deveria acontecer com um homem. Não mesmo.

- Ai, Paulo, fala logo. Você está deixando todos nós agoniados.

- Ontem, amigos, descobri que minha mulher é feia.

- (em coro) Como assim?

- É, amigos. Aquela mulher linda que eu conhecia há 10 anos, aquela com quem me casei, que vocês todos conhecem, ela não existe. É uma farsa.

- Paulo, Paulo. Explica isso direito.

- Desde que eu a conheci, a achei linda. Sempre que eu a encontrava, ela parecia um botão de rosa. Uma pele alva e macia, a boca pequena e bem desenhada, cabelos presos bem arrumados e um perfume que exalava carinho. Casamos-nos e sempre aquela mulher me encantou. Durante esses 08 anos em que moramos na mesma casa, a rotina era a mesma. Ela me acordava com um beijo, com aquele hálito puro e refrescante. Eu ia tomar banho e quando chegava à mesa, ela já tinha acabado de servir o café, linda e graciosa. Vinha trabalhar e quando chegava em casa, a noite, lá estava ela, linda, perfumada, do mesmo jeitinho de quando a conheci, o jantar servido, a casa impecável. Íamos pra cama e, no escuro, fazíamos loucuras, dormíamos abraçados e no dia seguinte, eu acordava com seu doce beijo. Mas ontem foi diferente. Algo aconteceu, não sei. Cheguei mais cedo em casa, às quatro horas da tarde. Entrei em silêncio, para fazer-lhe uma surpresa, mas quem teve a surpresa fui eu. Quem estava em casa não era a minha mulher, não podia ser. Quem estava lá, de quatro, esfregando o chão, não era a mulher com quem me casei. Não! Era uma mulher horrenda, pele manchada, com muitas marcas de espinhas, olheiras escuras que pareciam de morte, lábios finos e sem cor, exalava um suor forte, quase masculino e o cabelo, não gosto nem de lembrar, todo desgrenhado. Quando aquela mulher me viu, estupefato, veio em minha direção, querendo me abraçar, sorrindo. Fiquei parado e ela sem entender nada. Ela disse, com aquela mesma voz que eu ouvia todas as noites sussurrando em meus ouvidos, que estava feliz em me ver. Ai, amigos! Não consegui dormir. A imagem daquela mulher não sai do meu pensamento.

- Nossa! Sua mulher o enganou!

- É. E sabe o que é o pior? É que eu acho que todas as mulheres são assim.

- Que é isso?! Claro que não! A minha mulher não é assim não!

- Nem a minha!

- Oxi! Muito menos a minha. Minha mulher é linda!

- É mesmo? Vocês já viram suas mulheres sem maquiagem?

- (todos)...

- Se não acreditam em mim, façam a prova. Cheguem mais cedo em casa.

- Eh... Eu, não. Tenho muito o que trabalhar aqui.

- Eu também. Tenho muito o que fazer.

- Eu também. Vou ficar aqui trabalhando, tem coisas que é melhor a gente não saber.

- É... Eu preferiria não ter sabido.

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